Os Alcoólicos Anônimos

“Em 1935, Bill Wilson tinha uma lata de cerveja nas mãos. Em vinte anos, era raro vê-lo sem estar segurando algum tipo de bebida alcoólica. Finalmente, seu médico o advertiu de que, a manos que parasse de beber, só lhe restariam no máximo seis meses de vida. Isso deixou Bill desconcertado, mas o suficiente para fazê-lo parar de beber. É difícil abandonar um vício.

Bill estava sem saída. Ele procurou os melhores especialistas, mas nenhum deles conseguiu ajudá-lo. Apesar da boa vontade, ninguém tira cura para o alcoolismo. Eles sugeriram várias medicações, mas todas eram ineficazes. Lá estava Bill, sentindo-se envergonhado, com medo de morrer e, pior ainda, sem esperanças. Ele precisava fazer alguma coisa.

Foi então que Bill teve um grande insight. Ele já sabia que não conseguiria vencer o alcoolismo sozinho. E de nada adiantava procurar os especialistas, pois Bill – assim como outros viciados – era inteligente demais para aceitar qualquer tipo de sugestão. Sempre que alguém dizia a ele o que fazer, Bill procurava esquecer o conselho e pegava outra bebida. Foi então que ocorreu algo extraordinário. Bill percebeu que poderia obter ajuda de outras pessoas que passavam pela mesma provação. Outras pessoas com o mesmo tipo de problema seriam solidárias. É fácil rebelar-se contra alguém que se retrai. É muito mais difícil rejeitar seus companheiros.

Assim, surgiram os Alcoólicos Anônimos (AA).

No ASS, ninguém está no comando. Mas, ao mesmo tempo, todos são responsáveis. Trata-se do sistema aberto… em ação. A organização funciona exatamente como uma estrela-do-mar. A partir do momento em que você entra para a sociedade, automaticamente passa a fazer parte da liderança – um braço da estrela-do-mar, se preferir. Então, o AA está constantemente mudando sua forma, pois sempre há pessoas entrando e saindo. O que permanece constante é o princípio de recuperação – os famosos 12 passos. Como não há ninguém no comando, todos são responsáveis por manter a si próprios e todos os demais no caminho certo. Até mesmo o tempo de um associado não tem tanta importância: você sempre será um alcoólatra. Você tem um patrocinador… mas o patrocinador não lidera pela coerção; essa pessoa lidera pelo exemplo. E, caso você se atrapalhe, tenha uma recaída ou pare de frequentar as reuniões por um tempo, sempre será bem-vindo para retornar. Não há um formulário de inscrição e ninguém é proprietário do AA.

Ninguém é dono do AA. Bill percebeu isso quando o grupo se tornou um grande sucesso e pessoas do mundo inteiro queriam criar suas próprias filiais locais. Bill precisava tomar uma decisão importante. Ele poderia optar pela abordagem da aranha e controlar o que as filiais podiam ou não fazer. Nesse caso, ele precisava gerenciar a marca e treinar candidatos segundo a “metodologia do AA”. Outra possibilidade era escolher a abordagem da estrela-do-mar e sair de cena. Bill optou pela segunda abordagem. Ele abriu mão do controle.

Ele deixou que cada membro da organização decidisse fazer aquilo que acreditava ser certo. Então, hoje, esteja você em Anchorage, no Alaska ou em Santiago, no Chile, pode participar de uma reunião do AA. E, se preferir, você pode criar a própria organização. Membros sempre puderam ajudar diretamente uns aos outros, sem precisar pedir permissão ou obter aprovação de Bill W. ou de qualquer outra pessoa. Essa qualidade permite que sistemas abertos se adaptem e ofereçam uma resposta rapidamente…

Bill W. precisava optar entre uma abordagem de estrela-do-mar ou de aranha. Parece que Bill tomou a decisão estratégica correta. O sistema aberto era o caminho certo. Ele literalmente ajudou inúmeras pessoas. Hoje, se você perguntar quantos membros o AA possui, será difícil responder. Quantas filiais locais ele possui? Mais uma vez, é quase impossível saber. Ninguém sabe, pois o AA é um sistema aberto. Não há um comando central para manter essa estatística. O AA é flexível, uniforme e está em constante mutação. Quando outras pessoas vítimas de transtornou souberam do sucesso do AA, adotaram o modelo dos 12 passos e criaram organizações para combater diversos outro vícios, como o vício do fumo, os transtornos alimentares e o vício do jogo. Sabe qual foi a resposta do AA? Bom para você. Vá em frente. Tudo faz parte do projeto…

O AA transcendeu a visão original de Bill W. e transformou-se em uma organização extremamente forte e duradoura, muito semelhante aos Apaches, na verdade. Os Apaches não faziam (e não podiam fazer) planos prévios sobre como lidar com os invasores europeus; porém, assim que se deparou com os espanhóis, a sociedade Apache precisou mudar rapidamente. Em vez de continuar vivendo em vilas, os Apaches começaram a viver como nômades. A decisão não precisou ser aprovada pela sede. Foi fácil executá-la porque a sociedade Apache era aberta. Da mesma forma, Bill W. nunca imaginou que seu tratamento para o alcoolismo poderia ajudar viciados em jogos e pessoas com transtornos alimentares. Mais uma vez, Bill W. não executou nenhum mecanismo de controle. Sempre que surge uma força externa, a organização descentralizada [os autores queriam dizer: distribuída, ou mais distribuída do que centralizada] muda rapidamente para atender ao novo desafio ou às novas necessidades…

O AA possui um endereço físico e uma lista de escritórios em Nova York. Mas esses não são os reais locais de reuniões do AA. A organização está uniformemente distribuída em milhares de centros comunitários, igreja e até mesmo aeroportos. Encontramos um AA onde quer que um grupo de membros decida se reunir…

Qualquer parte de uma empresa descentralizada [os autores queriam dizer: distribuída ou mais distribuída do que centralizada] é essencialmente igual a um braço a estrela-do-mar: ela não precisa se reportar à cabeça da empresa e só é responsável por si mesma. Se um membro do AA quiser iniciar um novo círculo… ele pode fazer isso. Toda e qualquer atividade faz parte das atribuições do trabalho de qualquer pessoa…

As unidades de uma empresa descentralizada [os autores quiseram dizer: distribuída, ou mais distribuída do que centralizada] são, por definição, completamente autônomas. Se você elimina uma unidade, em geral a empresa fica bem, como ocorre com uma estrela-do-mar. Na verdade, o braço cortado deve se desenvolver, formando uma organização inteiramente nova. Mesmo que você isole um círculo AA da organização AA, outros sobreviverão. O círculo isolado pode até criar uma nova organização de apoio a dependentes do álcool…

O AA mudou rapidamente e expandiu-se para outras organizações quando foi necessário. Não importa o tamanho do AA ou a dimensão de sua história – qualquer parte da organização pode facilmente mudar numa questão de segundos. Como os braços a estrela-do-mar têm uma relativa liberdade, eles podem seguir em diversas direções…

Até mesmo o Império Romano, embora espalhado pelo mundo, mantinha um sistema de transporte extremamente centralizado, o que deu origem à expressão “Todos os caminhos levam a Roma”. Em sistemas abertos, por outro lado, a comunicação ocorre diretamente entre os membros… Você pode se comunicar diretamente com outros membros. Nenhum caminho leva a Roma porque Roma não existe”.

Relato sobre os AA elaborado por Ori Brafman e Rod Beckstrom (2006) para o livro Quem está no comando? A estratégia da estrela-do-mar e da aranha (Rio de Janeiro: Campus, 2007).

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